Pergunte a um operador de  turbinas hidrelétricas o que ele acha dos aguapés e  provavelmente a resposta será – #*&*#! – impublicável. Faça a  mesma pergunta a um encarregado de uma estação de tratamento de água e  a resposta seguirá no mesmo calão.
Eles têm lá suas razões: algumas  espécies de aguapés, como o super comumEichhornia crassipes,  podem se multiplicar rapidamente, tanto por meios vegetativos, como por frutos  e sementes abundantes. Então infestamreservatórios, canais de irrigação,  rios de fluxo lento e lagoas. Em alguns casos, chegam a cobrir por  completo a superfície e roubam a luz das algas que oxigenam a água, causando a  redução do oxigênio dissolvido e a morte dos seres aquáticos que dele dependem.
Em pouco tempo, o excesso dessas  plantas também acidifica a água, devido à concentração de matéria orgânica em  decomposição. A acidez é fatal para asturbinas e outros  equipamentos utilizados pelo homem, daí o praguejar dos operadores, reforçado  pelo fato de os aguapés também entupirem canos, dutos e outras passagens.
Mas aguapés também têm seus  defensores. Pelo fato de absorverem poluentes inorgânicos, como metais pesados,  e orgânicos, como os presentes nos esgotos domésticos, eles são usados na filtragem de  corpos d’água poluídos. O processo é simples: basta deixar os aguapés se  multiplicarem e aos poucos eles absorvem e retêm os poluentes. Aí é só retirar  os aguapés da água e… fazer o quê com aquela montanha de plantas em  decomposição, embebidas em poluentes?!
O engenheiro químico José  Dilcio Rocha, pesquisador da Embrapa Agroenergia tem uma  excelente alternativa: transformar tudo em bio-óleo. Expert em bioenergia,  ele trabalha com isso desde 1998 e já foi pesquisador visitante ou consultor em  diversas instituições, como a Universidade de Strathclyde, em  Glasgow, na Escócia; o National Renewable Energy Lab, no Colorado,  EUA, e o Centro Nacional de Referência em Biomassa, Cenbio, em São  Paulo. E considera o aguapé uma das boas fontes de biomassa disponíveis  para produção de bio-óleo. As outras são serragem, resíduos da produção  comercial de eucaliptos, resíduos agrícolas e lodo de estações de tratamento de  esgotos.
O bio-oléo pode ser produzido a  partir de um desses resíduos ou da mistura deles. E os aguapés eventualmente  utilizados não precisam ser de uma espécie só ou apenas de reservatórios  poluídos: José Dilcio também participou de um grupo multinstitucional  –Embrapa, Universidade Estadual de Campinas-Unicampe a empresa Bioware –  que avaliou a viabilidade de produção do bio-óleo a partir das ilhas flutuantes  de aguapés que descem pelos rios do PantanalMatogrossense durante  as cheias, conhecidos por lá como camalotes.
“O aguapé é uma fonte de  biomassa genuinamente brasileira e faz parte de um grupo de materiais que  ninguém quer, mas tem vários aproveitamentos”, pondera José Dilcio.  “Esses materiais podem e devem ser usados para alimentar processos  industriais ‘flex’ (numa referência aos automóveis que funcionam  com dois tipos de combustível)”.
Segundo o especialista, os  resíduos são degradados termicamente em um reator até virarem vapor, depois  condensado para a obtenção do óleo. Esse processo chama-se pirólise e  pode ser realizado em instalações relativamente simples. Isso viabiliza a  montagem de reatores onde quer que estejam as montanhas de resíduos,  dispensando o transporte da matéria-prima até uma instalação industrial.
Em geral, a temperatura do reator  fica entre 450 e 550 graus centígrados, o que é considerada uma temperatura  moderada em instalações industriais.
“Podemos obter, ao mesmo  tempo, energia e um combustível sintético renovável.  O gás produzido no processo pode realimentar o próprio reator e o bio-óleo  serve para diversos processos industriais, substituindo derivados de  petróleo”, acrescenta José Dilcio. No caso do aguapé, 60% da  matéria-prima vira bio-óleo e sobra de 25 a 30% como um pó de carvão. Que  também tem utilidade, diga-se de passagem, como condicionante de solo para  retenção de água ou para a fabricação de fertilizantes de lenta liberação. O  restante vira vapor, sem emissões de gases-estufa, sem queima de combustíveis  fósseis.
Não sei, não, mas se a indústria  apostasse no bio-óleo de aguapé (e outros resíduos) como o setor de transportes  aposta no etanol de cana-de-açúcar, o Brasil seria até capaz de fazer bonito  nas penosas negociações sobre Mudanças Climáticas…
 
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